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Quando o tempo se fecha


"A noite da espera" (Companhia das Letras), novo romance de Milton Hatoum, se passa quase todo em Brasília, nos anos 1970, o que para a gente daqui já serve de atração a mais, pois são poucos os livros ambientados na jovem capital brasileira, ainda menos de autores que não sejam daqui. Como mistura memória e ficção, o enredo desse tipo de romance costuma despertar polêmicas, "não foi bem assim", "não era ali", "não foi fulano"... A despeito disso, como trama romanesca, eis aqui um dos bons momentos de um dos maiores autores brasileiros em atividade.

Desde seus primeiros e premiados trabalhos, como "Relato de um certo Oriente", "Dois irmãos" e "Cinzas do Norte", Milton Hatoum vem impressionando todos que o leem, e comigo não foi diferente neste "A noite da espera", primeiro volume da trilogia O Lugar Mais Sombrio. Porque, ao mesmo tempo, o escritor compõe um denso drama pessoal e um retrato de um país mergulhado na noite mais tenebrosa.

Martim, o narrador protagonista, começa como adolescente devastado pela separação dos pais. Devastado porque a mãe lhe avisa que ele viverá com o pai, e não com ela e seu novo companheiro, um artista misterioso e de maus bofes - no olhar do filho abandonado. Pouco depois o pai se muda de São Paulo para Brasília e, ao abandono, somam-se os estranhamentos e dificuldades de um jovem na nova cidade, tão diferente de tudo.

Acontece que não só o pai lhe é estranho e agressivo. Também o país, também a vida o recebe com pedras e repressão. Quanto mais se fecham os horizontes nesse imenso descampado que é Brasília em seus primeiros tempos, mais se encurta a perspectiva do reencontro com a mãe. Mais ela se afasta, potencializando as angústias de Martim e seu namoro, Martim e seu trabalho, Martim e suas perdas cumulativas.

Que beleza de romance, quanta dor e tristeza cabem no peito de um jovem quando o tempo se fecha por dentro e por fora! Para quem vive, como nós, o paulatino ceifar de sonhos e esperanças com relação à nossa democracia, reconquistada e construída com tanto sofrimento, nada como lembrar daqueles tempos tão sombrios. Para não esmorecermos na luta em defesa do país, dos direitos, da democracia.

Beijus!

Clara Arreguy, sexta-feira, dezembro 15, 2017. 0 comentário(s).

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Histórias de terror em cinco cidades



Muito legal o livro "Mitos urbanos" (Mundo Mirim), com contos juvenis de terror assinados por Adriano Messias, Alessandra Roscoe, Celso Sisto, Rosana Rios e Sandra Pina e ilustrações de Alexandre Santos. A ideia é ótima: ambientar em capitais do país histórias de horror, com pegada atual, mas nem por isso menos amedrontadoras.

Cidades queridas ganharam seus contos: o de Rosana Rios se passa no bairro da Liberdade, na capital paulista, onde um local de antigos enforcamentos sugere a um menino a assombração por almas penadas. No de Celso Sisto, Porto Alegre abriga um apavorante casarão mal-assombrado, onde um carniceiro faria coisas terríveis até de descrever.

Sandra Pina reconta a história épica da construção da ponte Rio-Niterói com pinceladas de assombração pelas almas dos operários mortos durante as obras. Adriano Messias costura lendas urbanas de Belo Horizonte para compor uma história assustadora em torno de um colégio.

E Alessandra Roscoe volta aos primeiros tempos de Brasília para lembrar dos sinistros "graminhas", fiscais que impediam a meninada de jogar bola e destruir os gramados recentemente plantados para dar cara à nova capital. Em sua versão, mais que a repressão típica dos tempos da ditadura, surge a terrível hipótese de caveiras e cabeças de crianças empalhadas... Horror em seu melhor estilo!

As ilustrações de Alexandre Santos combinam bem com o clima tenebroso dos contos e se somam aos textos para compor um livro belo e impactante.

Beijins!

Clara Arreguy, quinta-feira, dezembro 14, 2017. 0 comentário(s).

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Dropz pra quem gosta de gente


Conheci Marcelo Carota (ou Z Carota, como ele assina) pelo Facebook, inicialmente apenas como uma espécie de blogueiro de esquerda, alguém com quem compartilhava ideias e projetos políticos. Ao acompanhar suas postagens, no entanto, fui descobrindo um cronista divertido e mordaz, um escritor de verve e domínio do ofício.

Aos poucos, o sentimento de intimidade me tomou, fui me sentindo, mais que seguidora, amiga daquele personagem público, e também do homem por trás do avatar. Não seria mesmo difícil sentir-se íntimo de alguém que partilha com os leitores sua deliciosa relação com a mãe (a amada Turca), a sobrinha, as "cavalheiras" com quem eventualmente rola uma paquera, o gato Ziggy, aquele ciumento.

Descobri, assim, uma pessoa tão dura (como guerreiro que é) quanto doce, um cara que gosta de gente, de pobre, de brasileiro, do Brasil, da cultura, de livros e bichos, de tudo que eu gosto, ou seja, alguém tão humano quanto grande escritor. E como é bom estar do lado de gente assim!

Agora, ao ler seu primeiro livro, "Dropz - crônicas pop proletárias & tostões de amor" (Penalux), fica fácil entender tudo isso em forma de literatura. Sim, a firmeza no campo político, mas sim, e muito mais que isso, uma escolha global pelo que vale a pena. O aparentemente pequeno, tema usual da crônica, sob o olhar que ama a vida, as coisas boas da vida - comer, amar, se divertir, lutar, dar e receber.

O livro reúne o principal da produção de Carota, das crônicas de seu cotidiano nos bares da vida, do SIG ou da Asa Norte, às andanças profissionais, como jornalista e assessor, funções que desempenha nos últimos 30 anos. Tem também alguns versos, menos representativos, e os "tostões" de amor, pequenos contos resultantes desse coração amoroso para com o outro, dessa capacidade de ver, e mostrar, o valor da gente miúda e esquecida, a pérola dentro da ostra.

Amantes, fãs, seguidores: "Dropz" é a síntese desse Carota que adoramos curtir e comentar nas redes sociais. Que venham os próximos volumes, com os diálogos com a Turca e as aventuras de Ziggy, antes que o gatinho radicalize na vingança.

Beijocas!

Clara Arreguy, terça-feira, dezembro 12, 2017. 0 comentário(s).

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Viagem para dentro e para fora



João Almino, o primeiro escritor imortal de Brasília - pelo menos o primeiro a integrar a Academia Brasileira de Letras -, faz por merecer todas as glórias. Seus livros são profundos, belos, bem escritos, e ainda têm a qualidade, pra nós, do planalto central, de trazer a paisagem daqui com naturalidade e amor.

Em seu novo romance, "Entre facas, algodão" (Record), João Almino acerta mais uma vez em cheio, na trama de uma viagem para fora e para dentro. Aos 70 anos, um homem se aposenta em Taguatinga e planeja voltar ao interior do Ceará para resgatar fios soltos de sua história: o pai assassinado pedindo vingança; um amor de juventude abortado pelas proibições familiares; o reencontro com a paisagem que o formou, uma fazenda em que foi criado pela mãe e pelo padrinho todo-poderoso.

Por mais que a sugestão de incesto e segredos mal guardados se insinue ao longo do romance, é no mergulho paulatino que se constroem as emoções que o protagonista refaz de sua vida. A viagem até o lugar físico, a compra da fazenda onde um dia foi agregado, o reencontro com os amores e as mágoas do passado, a falta de solução para seu casamento de toda a vida, a relação com os filhos - tudo se amalgama na história pessoal e política, de um país e de um tempo.

Na viagem, no enfrentamento dos fantasmas, na volta, ele leva junto o leitor num processo mais de aceitação do que de superação. Ao mesmo tempo, descreve um mundo arcaico que se desfaz, dando lugar a uma nova realidade. Em que pesem as resistências da elite local, o empregado de ontem pode encarar o ex-patrão em novo patamar de relação.

Por dentro, não há vitória. Somente o amargo da vida real, os estragos feitos, sobreviver.

Bjs!

Clara Arreguy, sexta-feira, dezembro 08, 2017. 0 comentário(s).

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Olhar de repórter e peregrino



Alberto Sena e eu trabalhamos juntos no Estado de Minas, em Belo Horizonte, no meu primeiro emprego em redação de jornal. Mais experiente que eu, ele era um daqueles que tiveram paciência e camaradagem com a "foca" que, sim, eu fui... Além de ótimo profissional, um bom companheiro, que deixou saudade quando nossos caminhos se desencontraram.

Pois agora eles tornam a se encontrar, e pela literatura. Acabo de ler "Nos Pirineus da alma", o livro que Alberto Sena escreveu sobre suas duas experiências de percorrer o Caminho de Santiago de Compostela, ambas a pé, ambas acompanhado de sua mulher, Sílvia, em dois anos consecutivos. Travestido de Bento e Tudinha, o casal experimentou as dores e delícias, os momentos mágicos e as ásperas dificuldades de empreender uma aventura como essa.

Eu já havia escrito o meu livro sobre o tema, também romanceando a experiência, que igualmente perfiz por duas vezes. Para quem esteve em tais situações, é sempre bom reviver as paisagens, os desafios, os encontros, as provações que o Caminho de Santiago inspira no viajante.

Em seu relato, Alberto Sena recorre ao olhar de repórter, mas também ao de peregrino, movido pela fé - ao contrário de mim, que investi numa leitura mais cultural e psicológica do que espiritual. Apresenta, para quem não conhece, um mundo novo, que parece coisa de literatura, não da realidade. E para quem já vivenciou tudo aquilo, seu livro, em textos e fotos, é boa oportunidade de matar a saudade.

Beijos!

Clara Arreguy, segunda-feira, dezembro 04, 2017. 1 comentário(s).

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Uma aula de literatura



Um presente e tanto ganhei de aniversário de alguém que entende tudo de livros, minha amiga e presidente Iris Borges. Ela me deu "A arte do romance", de Milan Kundera (Companhia das Letras), mais que útil para quem, como eu, quer e tenta investir cada vez mais na literatura, no fazer literário.

O livro é uma aula sobre o romance, tomado como gênero que surgiu com Cervantes e "Dom Quixote" e que tem na Europa (tomada também como as Américas!) sua expressão principal. Kundera analisa diversos autores e estilos, os que ele mais aprecia, certamente, mas aprofunda-se especialmente em Kafka, Broch, Musil, Diderot.

Em sete partes, o escritor tcheco cita momentos e movimentos que não deixam de tecer uma trama com a filosofia e a política, pois produtos de seres humanos em suas circunstâncias; analisa a própria obra, explicando aspectos como a fixação no número sete, que atravessa seus romances; e dialoga com um jornalista sobre os principais temas que lhe interessam entre os estudos literários.

Algumas colocações me chamaram a atenção: Kundera não aceita dar entrevistas, pois considera que elas discorrem sobre o que interessa ao jornal ou ao jornalista, e não ao entrevistado, e porque a edição piora mais as coisas, ao deixar como palavras do escritor afirmações que ele não produziu. Por isso recorre a esses diálogos, em que definem conjuntamente a pauta e ele revisa o que disse.

Outra: garante que quanto mais a vida de um escritor se revela, mais sua obra se perde. Por isso é contra biografias: "No momento em que Kafka atrai mais atenção que Joseph K., o processo de morte póstuma de Kafka se iniciou".

Beijus!

Clara Arreguy, sexta-feira, dezembro 01, 2017. 1 comentário(s).

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