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Crônicas da ironia e do afeto


O cunhadio é questão nacional desde o slogan brizolista que tentava afastar do candidato o parentesco com João Goulart: "Cunhado não é parente, Brizola presidente". Dizem que, mesmo quando um casal se separa, sogra será pra sempre sogra, cunhado também pra sempre. Seja como for, Antônio Pimentel é meu cunhado pra sempre, desde que pai dos meus amados sobrinhos Luísa e Bernardo. Cunhado e compadre. Fui sua primeira amiga na família, somos amigos até hoje. Por isso me sinto ainda mais feliz com o lançamento de seu primeiro livro, A Lembrança Mais Antiga (Desconcertos Editora).

Antônio escreve bem desde sempre. Lia seus trabalhos escolares quando fomos contemporâneos na militância estudantil na Fafich, suas reflexões, uma ou outra reflexão sobre assuntos diversos, da política e da sociologia à memória e à educação. A crônica como hábito e exercício regular, no entanto, ele passou a praticar somente no Facebook, ao descobrir o (e ser descoberto pelo) universo das redes sociais. Com a escrita de seguidos causos, lembranças, reflexões, Antônio foi carreando uma legião de admiradores e seguidores, os "amigos feicebuquianos", gente que ele nem conhecia pessoalmente.

Agora, com o lançamento de A Lembrança Mais Antiga, muitos desses amigos virtuais estão tendo a oportunidade de estar pessoalmente com o Antônio e receber uma dedicatória, um abraço. Mas o melhor de tudo é curtir, reunidas, aquelas histórias que ele publicava com frequência irregular. Casos da impagável Vó Vita, anedotas do folclore familiar (que muitos de nós já conhecíamos, mas que agora estão imortalizadas no papel), situações em que ri de si próprio e de sua falta de "traquejo social". As crônicas arrancam ora gargalhadas, ora lágrimas furtivas. Tocam a sensibilidade do leitor não apenas pela graça em si das narrativas, mas pelo tempero de quem escreve com ironia e afeto.

A gente que escreve a vida inteira acha que só se torna escritor de verdade quando tem um livro publicado. Antônio está curtindo essa alegria do primeiro "filhote" e, como todo escritor de verdade, já planejando o segundo. Nós, seus leitores, aguardamos com igual ansiedade.

Clara Arreguy, terça-feira, setembro 24, 2019. 1 comentário(s).

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Jonas Ribeiro para adultos


Jonas Ribeiro é ultra mega conhecido como autor de livros para crianças. Ele viaja todo o país levando suas histórias a escolas, aos públicos mais diversos. Mas uma face pouco conhecida de seu trabalho são os livros para adultos. E ele os tem! O Estrangeiro no Espelho (Editora Ideias & Letras) é uma novela profunda, em que o estilo de Jonas Ribeiro não deixa de estar presente, suas tiradas engraçadas, sua brincadeira com as palavras, a seriedade com que trata qualquer assunto, mesmo os aparentemente banais.

Em O Estrangeiro no Espelho ele conta a história de um russo casado com uma brasileira, pai de duas meninas, e que vem ao Brasil para fazer um trabalho em Fortaleza. De repente, sua imagem no espelho desaparece e dá lugar a outra pessoa. Uma trama surreal, fantástica, mas cheia de metáforas sobre o vazio da vida, sobre essência e aparência, sobre o amor e as coisas de que precisamos para ser felizes.

Jonas Ribeiro é Jonas Ribeiro escrevendo para qualquer público. Isso quer dizer que ele é doce, profundo e divertido em qualquer circunstância, mesmo falando de sexo ou de recomeço, de música ou de fracasso. E a edição do livro, embora destinado ao público adulto, faz questão de usar ilustrações coloridas, instigantes (colagens de Thiago Mazucato), num projeto gráfico diferenciado, que dialoga com o texto.

Uma grata surpresa no universo quase infinito que é a obra de Jonas Ribeiro.

Clara Arreguy, segunda-feira, setembro 23, 2019. 2 comentário(s).

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Feminismo avant la lettre



Uma das escritoras mais importantes da cena atual, premiada seguidamente - Jabuti, Prêmio São Paulo, Casa de las Américas -, Maria Valéria Rezende conjuga com igual maestria a escrita sofisticada e a liderança junto a seus pares. Ou melhor, a "suas" pares. Afinal, foi ela a idealizadora, mentora, inspiradora do Mulherio das Letras, movimento que fez ecoar, de maneira consagradora, a voz das mulheres que escrevem, editam, ilustram, revisam, contam histórias, vendem livros.

Em seu mais novo romance, Carta à Rainha Louca (Alfaguara), Maria Valéria não faz qualquer concessão a modismos ou facilidades. Narra, em linguagem compatível com a época, fatos passados no final do século XVIII, protagonizados por uma mulher que, pasmem!, sabia ler. Isabel das Santas Virgens era uma menina sem família, criada entre a senzala e o quarto da sinhazinha Blandina, de quem se torna como que irmã. Com a jovem rica, foi enclausurada num convento como punição pelo pecado da carne. Mais pra frente, é presa por crimes como passar-se por homem e atuar em trabalhos que não lhe eram permitidos.

Isabel é uma heroína feminista avant la lettre. Sem eira nem beira, persegue, pelo afeto a Blandina, perigos e desafios que enfrenta munida de sua inteligência e coragem, aprendidas entre a leitura de livros e o acesso à rua, à malandragem. Nem Isabel nem Maria Valéria fazem discursos. Toda a saga da jovem é narrada por ela mesma numa extensa carta à rainha Maria I, a Louca, com quem ela se sente irmanada na opressão pelo mundo dos homens.

Junto a essa exposição crua da desimportância e da luta dessa mulher, a freira católica Maria Valéria não esconde críticas também às hipocrisias, violências e incoerências de uma religião exercida não por espírito cristão ou amor ao próximo, mas por desejos de poder e amor ao dinheiro.

O início do livro pode parecer penoso para quem tem dificuldade em imergir na linguagem rebuscada da época, que Maria Valéria tão bem reproduz com seu humor característico. Após a extensa narrativa sobre como conseguiu papel, tinta e pena para escrever a carta redentora, numa indisfarçável declaração de amor aos livros, à leitura e à escrita, a autora afinal entra na trama propriamente dita e o livro ganha mais dinâmica, facilitando assim a vida do leitor.

Um romance sutil, cheio de entrelinhas, mais uma primorosa criação de Maria Valéria Rezende.

Clara Arreguy, sexta-feira, setembro 20, 2019. 3 comentário(s).

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Um adorável curumim


Conheci Cristino Wapichana na Flipiri deste ano, em Pirenópolis, e foi uma grata surpresa ter contato com o talento desse escritor, músico e militante cultural, um dos mais premiados autores da literatura infantojuvenil brasileira na atualidade. Seu livro "A boca da noite" (Zit Editora) ganhou o Jabuti em 2016, o internacional Peter Pan e outras premiações. Dele li "O cão e o curumim" (Melhoramentos), um relato delicioso sobre ritos de passagem de um menino e de seu melhor amigo, um cachorrinho.
Cristino, seja nos livros, nas palestras ou nas cartilhas pedagógicas que elabora junto com Daniel Munduruku, faz questão de explicar o uso inadequado de terminologias como "índio" e "tribo". O correto é indígenas, indivíduos pertencentes a grupos culturais, ou seja, povos, não tribos. Ele é um Wapichana. Com suas histórias, seus mitos fundadores, suas tradições culturais e seu idioma próprio.
No livro, o pequeno curumim está prestes a entrar na vida adulta, a participar de caçadas, a enfrentar os perigos da mata fechada, como onças e antas, distantes da aldeia, onde os parentes se protegem, onde os adultos cuidam das crianças.
Ao receber de presente um cãozinho, nomeado Amigo, ele não só ganha companhia para as aventuras, como outro protagonista para realizações que representam a entrada no mundo adulto.
Em linguagem delicada, bem-humorada, leve como a vida na aldeia, e com as belíssimas ilustrações de Taisa Borges, Cristino Wapichana constrói um livro delicioso para a leitura de crianças de qualquer idade, dos oito aos oitenta. E o faz com a propriedade de quem nasceu e vive na pele a realidade da qual fala.
Na foto, Cristino tocando durante a Flipiri, em agosto de 2019.

Clara Arreguy, sexta-feira, setembro 13, 2019. 1 comentário(s).

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Mecanismos do mal descortinados



Depois da obra-prima que foi "O indizível sentido do amor", o novo trabalho de Rosângela Vieira Rocha vinha revestido de responsabilidade. E "Nenhum espelho reflete seu rosto" (Editora Arribaçã) deu conta do recado à altura da autora e de seus antecessores. Romance calcado num tipo de personagem doentio, requereu da escritora pesquisa, mergulho profundo no tema, ao mesmo tempo espinhoso e necessário.
O grande barato da melhor literatura contemporânea, de Rosângela Vieira Rocha, inclusive, é justamente a mescla de memória, pesquisa e ficção. A autora já havia feito isso brilhantemente em "O indizível". Agora, com "Nenhum espelho", isso se reforça no distanciamento entre protagonista e autora. A joalheira Helen, ou melhor, designer de joias, pode não ter nada a ver com a escritora, jornalista, professora e advogada, mas é inevitável comparar, por exemplo, o lançamento da coleção de peças que a protagonista prepara ao longo da narrativa ao do livro "O indizível sentido do amor", obra mais preciosa, no meu entender, da coleção de joias da escritora.
Quanto à urgência do tema, é impressionante como Rosângela consegue, ao contar a história de Helen e sua relação tóxica com o "príncipe encantado" que encontrou na internet, falar de uma realidade vivida por milhares de mulheres (e inclusive homens) que até então não se davam conta do grau doentio dessas relações. Não está nas redes sociais o problema, mas na teia tão bem urdida por personalidades identificadas, freudianamente, pelo narcisismo perverso. Sua capacidade de envolvimento, sedução, dominação. Sua inteligência brilhante casada à ausência de empatia. Sua incapacidade de perceber o outro senão como objeto a ser usado, controlado e descartado de acordo com seus interesses.
A narrativa de Rosângela desvenda os mecanismos por meio dos quais isso se dá. A partir da experiência relatada por Helen ao médico de uma paciente que se saiu pior que ela, os fatos, casos, diálogos, "detalhes tão pequenos", mas tão significativos, descortinam o que, à vítima, muitas vezes parece um delírio persecutório, uma paranoia injustificada. Não é. Esse tipo de figura circula por aí, no dia a dia de qualquer pessoa, e é preciso estar alerta para entender que é possível não se deixar cativo da própria carência.
"Nenhum espelho reflete seu rosto" contribui para jogar luz sobre tema tão delicado, e Rosângela Vieira Rocha o faz com a maestria de sua escrita direta, seca, sem arroubos de adjetivação. A aula de joalheria serve de contraponto ao universo do mal visitado pela protagonista e alivia o leitor do mal-estar. Há saída.


Clara Arreguy, quinta-feira, setembro 12, 2019. 2 comentário(s).

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Blogueira relapsa volta a resenhar

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Não tem desculpa pra uma blogueira tão relapsa quanto eu tenho sido este ano. Ok, fiz uma mudança demorada de casa, transportei livros e mais livros, o que me deu trabalho e cansaço, mas nesse meio tempo segui lendo, ainda que não no ritmo que gosto... Enfim, vamos tentar recuperar um pouco do tempo perdido. Resumindo, pelo menos as leituras do clube do qual faço parte:

- O deus das pequenas coisas, de Arundhati Roy (Companhia das Letras) - o escritora indiana estreou com esse romance sobre uma família marcada por eventos trágicos. A maneira como ela os relato, no entanto, custou a prender minha atenção. São notáveis as descrições dos padecimentos dos indivíduos numa sociedade de castas em que legalmente umas pessoas são melhores, outras piores, e o contato é literalmente proibido. Amor, então? Crime. Temas interessantes, mas a narrativa dela não me cativou, então tive que me esforçar pra chegar até o fim. O terço final do livro ganha com a chegada aos fotos, em si, o que ajuda nesse esforço.

- O manual da faxineira, de Lucia Berlin (Companhia das Letras) - esse deu trabalho por seu longo, mas se configurou numa das leituras mais impactantes que tive este ano. São contos mais ou menos autobiográficos sobre essa norte-americana alcoólatra que lutou contra o sistema excludente para criar seus filhos e escapar de um destino esmagador. Com muita batalha ela se formou e teve profissões que lhe permitiram crescer socialmente. Nem por isso sofreu menos, e os contos retratam isso com secura, economia de adjetivos, uma dureza compatível com a alma ali presente, inteira. Amei Lucia Berlin!

- As areias do imperador (trilogia), de Mia Couto (Companhia das Letras) - li aos pouquinhos, em e-book e em paralelo com os livros do clube de leitura, me deliciando com a escrita desse que é um dos maiores nomes vivos da literatura em língua portuguesa, e da literatura mundial, com certeza. São três livros (Mulheres de cinzas, Sombras da água e O bebedor de horizontes), mas na verdade uma só história, que acompanha uma mulher, Imani, e sua saga em meio à guerra em Moçambique no final do século XIX. Povos originários inimigos de um lado (ou melhor, de vários), o império português de outro, seus adversários ingleses, invasores de todos os lados e com interesses econômicos, políticos, jogos de poder e dominação cultural de todo tipo impedem que Imani e o sargento Germano consolidem o amor que os aproxima e afasta a cada movimento desses conflitos. Retrato amargo de uma África em que gente e natureza são moedas de troca num mundo de capitalismo ascendente e desprezo total pelo homem e, sobretudo, pela mulher. Maravilhoso!





Clara Arreguy, terça-feira, setembro 10, 2019. 0 comentário(s).

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