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Dualidades em conflito e complemento

Não é porque foi aniversário dela ontem, mas a Beatriz Leal Craveiro acaba de presentear o leitor com seu novo romance, Elefantes barrem (Penalux), que, após alguns contos premiados, se segue ao renomado Mulheres que mordem, finalista no Jabuti de 2015. 

As qualidades observadas na estreia de Bia Leal estão presentes neste segundo romance. A linguagem precisa, profunda, irônica. A pesquisa que lhe permite abordar os assuntos pretendidos com a segurança de quem sabe o que está falando. A sensibilidade na criação e no desenvolvimento de personagens complexos.

Se em Mulheres que mordem as mães da Praça de Maio da Argentina (e as filhas, no caso da protagonista) eram o foco central, aqui temos duas irmãs gêmeas, com suas personalidades quase antagônicas, mas igualmente o conflito entre a complementaridade e a rivalidade. A firmeza de Lívia versus a insegurança de Lavínia. Desejos entrecruzados na procura de felicidade e realização, essa miragem à frente de qualquer uma.

Enquanto no romance anterior o protagonista masculino (o pai torturador) deixava margem a dúvidas quanto à sua coerência (nas sessões de análise em que revela como torturava), também aqui os dois homens, Orlando, o pai, e Ronaldo, o namorado (anagramas um do outro) igualmente resvalam em uma composição menos bem acabada do que no caso das mulheres. A desagregação de Orlando, que o encaminha para a vida na rua, soa um tanto extrema como solução para seu transtorno meio que TOC. E em Ronaldo ela se aprofunda pouco em comparação com as outras personagens.  

Nada que comprometa a credibilidade do romance. Beatriz Leal Craveiro escreve muito bem, leem-se seus livros com fluidez e a fruição da frase bem construída, da palavra bem colocada, do ritmo cuidadosamente atribuído. Cada voz tem sua dicção, cada capítulo conduz ao próximo um leitor sedento de saber tudo até o final.

Parabéns, Bia Leal, por mais esse acerto!


Clara Arreguy, segunda-feira, dezembro 14, 2020. 0 comentário(s).

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Uma saga do Brasil latino-americano


Esta semana nosso clube de leitura teve a alegria de receber a escritora Maria José Silveira, autora de Maria Altamira (Editora Instante), livro que lemos este mês e que nos encantou a todos. Primeiro, porque a história é muito boa, e Maria José sabe contar histórias. Aqui são duas as protagonistas: Alelí e sua filha, Maria Altamira. Alelí é uma sobrevivente do soterramento de Yungay, no Peru, quando um vilarejo foi varrido do mapa depois de um terremoto. Após perder toda a família, inclusive a filhinha, a jovem sai vagando pela América Latina e, ao longo dos anos, atravessa Andes e vales, florestas, estradas e vilas. Aprende a tocar um charango, instrumento musical que a acompanha na voz da dor e da solidão. Até que um dia conhece um juruna que a ama e com quem tem outra filha.

Aí começa a outra parte da história, em que Maria Altamira, moradora na cidade amazônica que lhe deu nome, enfrenta a chegada dos novos tempos representados pela hidrelétrica de Belo Monte. Diante da mineração, do garimpo, da exploração dos madeireiros e de toda a devastação ambiental, humana e cultural, Maria se torna uma lutadora, uma defensora dos indígenas (que ela não deixa de ser), também passa por suas peripécias, mora um tempo em São Paulo, conhece os movimentos por moradia, enfim, aprende as diversas faces de um Brasil contemporâneo assediado por todos os lados, norte e sul, campo e cidade, meio ambiente, história, modos de vida.

O mais interessante no livro de Maria José Silveira é que ele me parece a contraface de seu outro romance que li e comentei aqui alguns anos atrás, A mãe da mãe de sua mãe e suas filhas (Globo Livros). Nesse a escritora traça uma árvore genealógica de linhagem feminina, começando pela primeira indígena a se ligar a um europeu que veio na esquadra de Cabral. Daí em diante, acompanhamos 21 gerações de mulheres até chegar aos nossos dias. Um retrato interessantíssimo da formação do povo brasileiro pelos encontros e desencontros, afetos e sujeições entre indígenas, africanos, europeus, asiáticos, judeus, árabes, toda a gama, enfim, que se misturou no caldeirão da nossa história.

Com Maria Altamira, a autora complementa essa linhagem com os primos da América do Sul, nossos irmãos de continente, tão próximos e tão distantes, cuja saga de resistência se cruza inexoravelmente com a brasileira. Alelí e sua peregrinação, Maria Altamira e seu engajamento, o Brasil inserido na América Latina, com os mesmos problemas e as mesmas veias líricas.


Clara Arreguy, quarta-feira, dezembro 09, 2020. 1 comentário(s).

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Centro, Centrão e o caminho do meio

 


Adoro séries, sobretudo as políticas, as históricas, as policiais e as de ficção científica, e de preferência produzidas em países que não sejam os EUA (Suécia, Islândia, Croácia, Turquia, Brasil, Espanha). No momento assisto à dinamarquesa Borgen, ficção sobre a deputada Birgitte Nyborg, primeira-ministra, caracterizada pelo excelente domínio da política e pelas dificuldades em lidar com a vida pessoal.
Nyborg é do partido Moderado, o exato centro entre uma esquerda hipócrita e contraditória e uma direita sem empatia, contrária aos direitos humanos e à preservação do meio ambiente, entre outras pautas óbvias. O interessante é observar que a ficção, em busca de credibilidade, aposta que nem direita nem esquerda podem ter razão, cabendo ao centro a sensatez, o equilíbrio do "caminho do meio".
(Alerta de spoiler) A certa altura da série os Moderados se aliam à direita, renunciando àquelas pautas humanistas, o que leva Nyborg a fundar outro partido, os Novos Democratas. No debate eleitoral, ela desmascara os antigos aliados: vocês não são mais o centro, nós é que somos.
Fico rindo dessa busca da virtude no caminho do meio e comparando com o Brasil. Aqui, de uma hora pra outra, a grande mídia e seus "analistas políticos" resolveram eleger como centro todos os partidos de direita, como o PP (que era o PDS, continuação da Arena, partido de sustentação da ditadura), o DEM (braço mais liberal da mesma Arena), e os do chamado Centrão.
"Esquecem-se" que o termo Centrão foi cunhado de forma irônica, como uma piada, para se referir aos partidos fisiológicos de pouca definição ideológica, que se aliavam (e aliam) a quem der mais. Integraram os governos petistas, governaram o país com suas principais lideranças ocupando ministérios e outros postos-chave da estrutura de governo, e estão de volta, todos felizes, nos braços do bolsonarismo.
Esses partidos nada têm de centro, nunca tiveram. Quando têm que explicitar seus programas, são eles tão neoliberais quanto quaisquer outros partidos de direita. Como hoje é o próprio PSDB, que nasceu social-democrata mas há muito tomou partido contrário às pautas da social democracia, como a distribuição de renda, o Estado de bem-estar social, a saúde e a educação públicas e de qualidade. A privatização em massa iniciada nos governos tucanos não dá margem a dúvidas quanto ao espectro ideológico dos "centristas" brasileiros.
Essa disputa pelo centro vai longe. O dia seguinte às eleições municipais de 2020 abriu a campanha para as presidenciais de 2022, com a eleição, pela grande mídia e o grande capital, que ela representa, do centro como expressão política capaz de pôr fim à polarização que todos combatem. Deixando pra chamar de direita só a extrema direita bolsonarista, que todos execram, pelo menos da boca pra fora.
Mais uma disputa de narrativas, pois negar a polarização é fingir que não existe luta de classes. E só à direita interessa a encenação de que é possível atender aos interesses de todos. Todos é muita gente pra caber no balaio da nossa elite dominante. Eles têm lado, e não é o nosso, do povo brasileiro.
Se Birgitte Nyborg conhecesse os "centristas" brasileiros, sairia correndo desse campo. Ela também tem lado, embora finja que não.

Clara Arreguy, quarta-feira, dezembro 02, 2020. 0 comentário(s).

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