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Resenha poética variada


Há alguns meses comecei a participar, às terças-feiras, do Sarau Marcante, promovido na Asa Norte por Marcos Fabrício e Nathan Kacowicz. Duas consequências se fizeram sentir de imediato: ao escrafunchar meus antigos escritos em verso, despertei a musa da poesia que dormia em mim e retomei a escrita nessa linguagem. A segunda consequência foi que voltei também a ler mais poesia. Nos últimos meses, fui empilhando as leituras mais recentes, alternando umas e outras, me deliciando com velhos amigos e com poetas que descobri recentemente. Um resumo pra vocês:

Arraial do Curral del Rei, de Adriane Garcia (Conceito Comunicação) - Uma apaixonada crônica poética do nascimento da nossa amada Belo Horizonte, pelas vozes de figurões ou de figurinhas esquecidas pela história. Saiu pela coleção BH. A cidade de cada um.

Degredo [poema-fronteira] (Sangre Editorial) e Os Acampamentos Insustentáveis (Kotter Editorial), ambos de Anelito de Oliveira - Reencontrei o amigo poeta mineiro numa noite do Sarau Marcante e retomei a leitura de sua poesia forte, aguerrida, profunda, instigante.

O Sorriso Atrás da Porta, de Edna Rezende (Escrituras) - Minha querida amiga, excelente contista, que nos deixou no fim de 2019, tinha também seu livro de versos, nos quais visitava as mesmas temáticas de sua prosa, com igual verve crítica, ora risada, ora navalha. Saudade de uma pessoa imprescindível.

Pra Constar - PlanaltinoPeriféricoDFconfesso Control C Control Versos, de Luiz Felipe Vitelli Peixoto (Artletras) - O Vitelli conheci nas noites do sarau, com sua performance teatral, ambulante, afirmativa de uma Brasília distante dos clichês do Plano Piloto. A referência, o trocadilho, as armas.

Zumbi dos Ipês, de Marcos Fabrício Lopes da Silva (Avá Editora Artesanal) - Fabrício é tão bom em verso quanto em prosa, possui energia criadora tão potente que cria evento e grupo onde nada havia, e ainda domina o palco como ator da voz política, poética, militante. O Brasil precisava de um exército de Fabrícios.

Tempo de Delação, de Margarida Patriota (Ibis Libris) - Outra mestra da prosa que se entrega à poesia com a elegância que lhe marca toda a escrita, ou que caracteriza sua pessoa. Estão ali o amor, o lugar, a memória, a viagem, o autoacusado plágio de quem traz no sangue "hemácias de poetas que são poetas".

Sou mulher, logo existo! - Amor, Liberdade, Luta e Resistência - 3ª Coletânea de Poesias e Prosas do Mulherio das Letras (ABR Editora) - Produto de mais um encontro da mulherada da literatura, inclui trabalhos das brasilienses Cinthia Kriemler ("Ossos anônimos" e "Sangue") e Lucília Garcez ("Esplanada").

O Ritmo da Roda - Poemas Fotográficos, de Natan Barreto (Editora Kalango) - Conheci na Feira do Livro de Frankfurt esse brasileiro que mora em Londres, onde exerce a poesia e o teatro. Neste livro, ele alterna fotos e versos, comentando as primeiras com olhos que denunciam a saga do povo negro.

Os Olhos do Bilheteiro - Antologia Poética (Nega Lilu Editora) - A organizadora da Feira e-cêntrica de Goiânia, Larissa Mundim, editou em 2016 este primeiro volume que reúne 31 autores e autoras goianos, dos quais 26 inéditos, selecionados criteriosamente por meio de concurso. Vale a leitura.

Sede de Céu - Poemas, de Nic Cardeal (Editora Penalux) - Uma beleza completa, da maravilhosa capa aos versos à própria poeta curitibana, que conheci desde o primeiro encontro do Mulherio das Letras e que se tornou, por essas e por outras, leitura obrigatória, diária, nas minhas redes sociais.

Meu Nome Meu Não, de Paulo Fatal (Editora Machado) - Fatal é meu primo, amigo, parceiro em diversos projetos. Mas não é por isso que está aqui, e sim porque seu livro de estreia é uma das obras mais belas, em conteúdo e em projeto gráfico e ilustrações, que meus olhos têm visto. Instigante, forte. Lindo.

Clara Arreguy, quinta-feira, abril 23, 2020. 2 comentário(s).

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Produção literária em debate


Meus companheiros do Instituto Casa de Autores e eu decidimos estudar juntos, e começamos pelo tema da literatura para crianças, que une praticamente todos nós. O primeiro livro que lemos para esse fim foi "Por uma literatura sem adjetivos", de María Teresa Andruetto (Pulo do Gato), que reúne doze textos da escritora argentina, num verdadeiro curso sobre questões que nos são tão caras.

Especialista na obra de Marina Colasanti, autora do prefácio do livro, María Teresa aborda interessantes aspectos da criação, como o exercício do olhar, que se torna o verdadeiro ofício do escritor, ou a relação da produção atual com os cânones acadêmicos, questões relacionadas às temáticas presentes nos livros e outras.

O que mais impressiona é a defesa feita pela autora de que o melhor de uma literatura voltada para o público infantojuvenil é exatamente que ela não seja voltada para o público infantojuvenil. Que ela não tenha adjetivos, nesse sentido, pois a qualidade literária não pode e não deve se circunscrever aos ditames do mercado e de uma ditadura dos colégios e dos governos.

Numa conjuntura em que, aqui no Brasil, em especial, a autocensura se impõe a quem pretende ter seus livros comprados, adotados, lidos e estudados nas escolas, pois há restrições "morais", religiosas, temas proibidos, enfoques banidos, autores proscritos, mais do que nunca é bom sermos provocados por uma boa cabeça pensante.

María Teresa faz isso com o leitor-escritor, nos faz questionar: o que queremos ser? Nosso projeto de vida é a aceitação pelo mercado, é a venda a qualquer preço? É publicar não importa o quê? Ou almejamos fazer um trabalho de qualidade, com ou sem "mensagem", com ou sem adequação ao sistema?

Ficam aqui essas indagações que todos nos fazemos, pois, afinal de contas, ninguém, por mais idealista que seja, abre mão de um nível qualquer de viabilidade econômica.


Clara Arreguy, quarta-feira, abril 22, 2020. 0 comentário(s).

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Sem saída

Pontos de fuga (O Lugar Mais Sombrio Livro 2) por [Milton Hatoum]

Dois anos depois do primeiro volume da trilogia O Lugar Mais Sombrio, Milton Hatoum lançou o segundo, Pontos de Fuga (Companhia das Letras), continuando a história de Martim, o jovem que ficou com o pai após a separação do casal e veio parar em Brasília, nos anos setenta, primeiros tempos de luta estudantil contra a ditadura. Agora Martim voltou pra São Paulo, afastou-se da agressiva presença paterna e segue à procura da mãe, que não vê desde que foi embora do Centro-Oeste.

O novo romance alterna a narrativa de Martim em São Paulo, logo após ter saído de Brasília, e do protagonista em Paris, na época da anistia, quando boa parte dos exilados, alguns em atividade no movimento internacional, outros tentando sobreviver como dava, começa a cogitar a volta ao país. Ainda mais angustiante que o primeiro volume, neste Hatoum dá voz a outras personagens, como o Nortista, ator e militante amigo de Martim desde o teatro na jovem capital, a ex-namorada Dinah, figura fugaz que entra e sai de sua vida para acentuar suas incertezas, a turma da república onde ele morou na rua Fidalga, a avó, no litoral, e outros tipos mais ou menos estranhos, como Damião, um artista de circo que caça e mata pombos pra vender (como comida). 

As bebedeiras e as perambulações de Martim em busca da mãe, que supõe desaparecida pelos mesmos motivos de perseguição política que determinam a movimentação de quase todas as personagens, expõem a desagregação emocional do jovem, cada vez mais perdido com relação a trabalho, arte, relações afetivas, saídas pra sua vida. Se há um lugar mais sombrio do qual falar, sem dúvida é o tempo-espaço desses meados de anos setenta para uma geração, não só no Brasil como em toda a América Latina, que se viu perdida sob o tacão das ditaduras e amordaçada pela falta de esperança e de perspectiva.

Milton Hatoum nos conduz nessa narrativa fragmentada por vozes múltiplas que têm, no uníssono, esta única afinidade: a angústia. Os pontos de fuga, nesse caso, são precisamente rotas por onde cada um foge, ao seu jeito, pra lugar nenhum, pois naquele momento, de fato, não há saída.

Clara Arreguy, terça-feira, abril 21, 2020. 0 comentário(s).

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Estudar para combater a escravidão

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Logo após a leitura de Um Defeito de Cor, de Ana Maria Gonçalves, senti necessidade de ler também Escravidão, de Laurentino Gomes (Globo Livros) , o primeiro volume de uma trilogia em que o jornalista e historiador pretende abarcar o vasto assunto fundador da brasilidade. Porque, de fato, nada há na história do Brasil que supere a escravidão, no entendimento dos analistas mais sérios, em determinar o que nos tornamos hoje. Toda a desigualdade, toda a dicotomia entre riqueza e pobreza, entre candura e opressão, entre cultura e ignorância, o entendimento de como e por quê age a nossa elite dominante, está tudo ali, nas origens históricas, no negócio da escravidão.

O livro é uma pancada. A gente que já leu de tudo nesta vida, sem poupar temas nem escolher caminhos fáceis, se choca com a brutalidade que foi esse fenômeno. Do tráfico ao transporte, do trabalho forçado aos castigos e torturas, da eliminação física à destruição moral, mental, cultural, está ali o envolvimento de todos, todos, todos, no negócio. Igreja, países, empresas, instituições, pessoas, ninguém deixou de tirar proveito da escravização de pessoas, dos africanos transportados aos milhões, ao longo de quatro séculos, para um desenraizamento sem retorno.

As extensas pesquisas de Laurentino mostram que a escravidão sempre esteve presente nas organizações humanas, desde as mais priscas eras, e atravessou todas as culturas e regiões. A origem do nome, vindo de "eslavos", prova que eram escravizados louros de olho azul, e não apenas negros. Na sábia Grécia antiga havia escravos, entre as tribos judaicas também, os islâmicos escravizavam inimigos derrotados.

Assim, é fato que na África reinos em guerra dominavam os derrotados e vendiam pessoas para seus parceiros comerciais. Mas o que decorreu daí, entre o século XV e o XIX, não teve precedentes e nunca mais se repetiu em magnitude, como negócio ou como abominável prática. Estudar, ler, entender faz parte de um longo e inesgotável processo para que a sociedade - a brasileira, tão racista, em especial - se redima do que fez e do que faz, ou seja, das condições às quais condenou a maior parte da sua população pobre, herdeira de toda a aberração que foi a construção de um país nas costas de seu povo.

Clara Arreguy, segunda-feira, abril 20, 2020. 0 comentário(s).

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