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Sem sentimentalismo


De Cinthia Kriemler já havia lido o volume de contos "Na escuridão não existe cor-de-rosa" e o conto que integra a coletânea "Novena para pecar em paz", que ela também assina como organizadora. Agora, chego ao primeiro romance dessa autora carioca-brasiliense, companheira no Mulherio das Letras e, além do mais, agitadora cultural, atuante na cena literária e guerreira das melhores causas às quais tenho me dedicado, num país em que não faltam causas para a gente guerrear.

"Todos os abismos convidam para um mergulho" (Patuá) é o título do romance, que poderia muito bem ser o mesmo do livro de contos, pois o que mais se evidencia na obra de Cinthia Kriemler é a falta de cor-de-rosa numa vida de escuridão, em que não se pode sequer pecar em paz. Os abismos chamam, atraem, porque a vida real é dura, pesada, amarga, como se dá em torno de Beatriz, a protagonista.

Assistente social dedicada a cuidar de casos de vítimas de violência e de abusos, Beatriz enfrenta ainda seu inferno pessoal desde que a própria filha adolescente, doente de depressão, se matou. Beatriz encontra no sexo selvagem consolo e punição para o fato de estar viva, para a culpa que não lhe permite ficar com o ex-marido, que ainda ama. Numa vertigem de dor e sofrimento, ela se emaranha nas histórias de sua clientela, de crianças prostituídas pelos próprios pais a mulheres e agressores.

Em conflito no trabalho, obrigada a imergir em terapia, Beatriz se confronta ainda com a presença da mãe e do irmão e, premida pelas circunstâncias, acaba tendo que reler a própria história familiar para entender as origens de seus conflitos com todos os afetos que a vida lhe proporcionou. Abismos a convidá-la para um mergulho sem volta.

Tudo na literatura de Cinthia Kriemler desafia o leitor a ver, sem óculos de proteção, o que a vida tem de pior. Não há pra onde fugir. Mas ela o faz com tal estilo que o melodrama passa longe. A secura é o passaporte para o leitor fazer seu próprio mergulho sem sentimentalismo. Cinthia Kriemler é mestra nessa economia, sem adjetivações nem concessões. Afinal, a escuridão da vida não comporta flores nem tonalidades de rosa. E não há paz sequer pra pecar.

#EuLeioMulheresVivas


Clara Arreguy, domingo, julho 22, 2018. 1 comentário(s).

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#EuLeioMulheres brasileiras III


Terei que dar uma resumida nas últimas leituras, senão não cabe tudo, é coisa demais. Começando pela hashtag que virou um mantra pra nós, escritoras brasileiras contemporâneas: #EuLeioMulheres. Iria pôr "vivas", mas incluí na resenha uma fora dessa categoria, que precisava mencionar pela importância da obra.

- Quarto de despejo, de Carolina Maria de Jesus (Ática) - um clássico, reconhecida como uma das primeiras vozes da periferia a serem ouvidas pela "sociedade" (aquela que não incluía, até então, mulheres, negras, pobres etc). O diário de uma favelada, editado pelo jornalista Audálio Dantas, revela uma escrita visceral, que abalou estruturas. A edição sem revisão, para dar a medida de como escrevia essa mulher semianalfabeta, é uma faca de dois gumes: mostra, sim, as precárias condições de estudo e vida da autora, mas reforça o preconceito, como se seus erros de português fossem um troféu. Debatemos isto no encontro do Mulherio das Letras DF em junho: todo escritor que publica passa por revisão. Todo mundo erra. Por que deixar sem revisão Carolina de Jesus? Para enfatizar o caráter "pitoresco" de sua literatura? Para diminuir-lhe o valor? O estranhamento conduz a diversos questionamentos, mas o valor literário dela vence as questões políticas.

- Rio-Paris-Rio, de Luciana Hidalgo (Rocco) - conheci pessoalmente a Luciana Hidalgo ao assistir a uma fala sua no encontro sobre literatura e ditadura na UnB, também em junho, e na mesma hora comprei este seu romance. Nele, dois jovens brasileiros se encontram na capital francesa durante o célebre maio de 1968. A moça, neta de um general que acabara de assumir o poder com o golpe de 64. O rapaz, um artista em pleno alvorecer de sua criação, inquieto com tudo, em movimento constante. Em volta deles, franceses e imigrantes mergulham na rebelião que daria nome a uma geração e que marcaria o século. XX. Belo romance, com personagens com os quais é fácil se identificar.

- Nos países de nomes impronunciáveis, de Paula Autran (Patuá) - Uma raridade entre as raridades, esse texto dramatúrgico inventa estranhos lugares, alterna cartas e notícias de forma altamente poética e instigante, entrelaçando personagens e intrigando o leitor. Imagino encenado, como deve ser todo texto escrito para teatro. Amo o teatro e sinto, como todo amante de livros e de peças, a falta de uma dramaturgia contemporânea vigorosa - e publicada! Salve!


Clara Arreguy, sexta-feira, julho 13, 2018. 0 comentário(s).

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Um clássico de outra época


A leitura do romance "Servidão humana", de Somerset Maugham (Abril), me remeteu a outro clássico do gênero, "Grandes esperanças", de Charles Dickens, cujo protagonista, Pip, se aparenta ao Philip Carey desse agora. Ambos meninos sofridos, carentes, que se submetem a exigências sociais opressoras e que se deixam emaranhar pela servidão do amor não correspondido, pela dominação da mulher frívola e má.

Philip, porém, tem nuances diferentes do Pip de Dickens. O defeito físico que tanto o constrange conquista a simpatia do leitor, assim como sua extrema inteligência, que o empurra para frente, em busca de um sentido para a vida, de um rumo que o faça feliz. Nada encontra, no entanto. Philip descrê da religião em que é criado pelo tio, não tem aptidão para ser artista, não dá conta do vazio representado pelo burocrático trabalho em contabilidade, não se sente à vontade na profissão do falecido pai, que era médico.

É um intelectual, um filósofo, encontra-se na literatura, sem contudo tentar escrever, e em tudo se coloca pelas metades, infeliz, inseguro, inadaptado. O mesmo se dá no aspecto romântico de sua vida. Sente vergonha do defeito físico; sua primeira amante, mais velha que ele, o constrange com suas rugas e sua entrega sem limites; não se julga merecedor do amor de uma boa mulher. E aí mergulha na paixão pela frívola Mildred, que não nutre por ele senão interesse material e o manipula em sua paixão exacerbada por ela.

Ora, até a entrada em cena de Mildred, apenas com os amigos homens Philip havia se sentido bem, vivenciado momentos de realização e correspondência. Os intelectuais de Heidelberg, os aprendizes de pintores de Paris, os colegas da escola de medicina - são esses jovens brilhantes ou interessantes que permitem a Philip ser ele mesmo, abrir-se em sentimentos mais verdadeiros, sem os jogos a que a relação com as mulheres sempre induz.

Creio que Philip possua um traço homossexual enrustido. Isso não explica o fato de ele amar quem não o ama e não dar conta de viver o amor da mulher que o aceita como ele é, mas aponta em parte seu desajuste que nem ele mesmo entende.

Achei o livro longo, a narrativa num estilo antigo, excessivamente detalhista, tão diferente dos ritmos mais intensos de hoje em dia. Me cansou. Ao ler depois que boa parte da trajetória de Philip corresponde a vivências do próprio autor, que também "bateu cabeça" pelos mesmos ambientes que seu protagonista antes de se encontrar na literatura, fui mais empática para com esse clássico lançado em 1915.

Clara Arreguy, segunda-feira, julho 09, 2018. 0 comentário(s).

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