Filmaço iraniano
Para quem estava acostumado com aqueles filmes iranianos delicados, minimalistas ao contar histórias poéticas e até certo ponto simplistas, A separação, de Asghar Farhadi, surpreende por ser a contraface de tudo isso. Não menos forte, mas, em outro rumo, verborrágico e cheio de ação, o filme, candidato ao Oscar e vencedor do Globo de Ouro, fala sobretudo de ética.
Trata-se de um drama em torno de um casal (foto) que, embora se ame, está se separando. A mulher quer se mudar do Irã e levar a filha adolescente. O marido não quer sair do país porque tem um pai idoso com Alzheimer. Como ela bate o pé e sai de casa para pressioná-lo, ele tem que contratar uma empregada para fazer companhia ao velho enquanto ele vai trabalhar. Aí começam os problemas.
Diferenças religiosas e morais dão o tom. A empregada, grávida, não poderia ficar na casa de um homem separado, pelo menos não sem autorização do marido. Este, por sua vez, é violento e intratável. As coisas se complicam com um acidente e a suspeita de um roubo. Todos vão parar no tribunal. Mentir ou não, respeitar ou não, quem vai cuidar do velhinho, o que a adolescente vai aprender - são questões éticas que se colocam para todos os personagens, sejam ou não religiosos.
Enquanto a trama se enrola cada vez mais, os dilemas implicam na criação que os pais querem dar aos filhos, no Irã que querem habitar, no tipo de gente e de povo que querem ser. Coisas que nós, brasileiros, estamos nos acostumamos a relevar, mas que deveriam ser pensadas com mais carinho. Afinal, muitas de nossas crises se devem à perda de valores. Tudo caindo na vala comum do dar-se bem. É difícil se dar bem, o custo é alto no longo prazo.
Confira o filme dos iranianos, sem preconceitos. Eles têm muito a nos ensinar. Beijocas!
Clara Arreguy, terça-feira, janeiro 31, 2012.
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A polêmica vida de um herói
Embora os prêmios não digam exatamente a qualidade de cada
escritor, algumas premiações dão uma boa medida da estatura do artista. É o
caso do Nobel de Literatura. Mario Vargas Llosa tem obra tão consistente que
nem sua investida na política, nos anos 1990, quando perdeu as eleições
presidenciais peruanas para Alberto Fujimori, concorrendo como representante do
neoliberalismo, empanou seu brilho.
Seu novo romance, O
sonho do celta (Alfaguara, 392 páginas, R$ 47), saiu junto à conquista do considerado
maior prêmio literário do mundo, concedido pela Academia Sueca, em 2010.
Trata-se de nova investida na pesquisa histórica, nos moldes de trabalhos seus
como A guerra do fim do mundo (este
sobre o conflito de Canudos, no Brasil) e A
festa do bode, sobre a República
Dominicana.
Em O sonho do celta,
estão em foco a personalidade heroica e controversa do irlandês Roger Casement
e, como pano de fundo, a colonização da África e da Amazônia. Casement era um inglês
idealista que, aos 20 anos, no final do século XIX, foi para o Congo pensando
levar civilização e religião cristã. O que viu por lá – exploração,
escravização, assassinatos, torturas, atrocidades de todo tipo cometidas pelos
patrões da extração da borracha – fez dele um bravo defensor da população
africana. Seus relatórios correram mundo, inspiraram movimentos de combate à
escravidão. Depois de muito trabalho e denúncias, assumiu o cargo de cônsul
britânico.
Na volta à Europa, Casement identificou a luta dos africanos
com a dos seus conterrâneos irlandeses e passou a não mais se considerar
inglês. Assumiu a ideologia de libertação da Irlanda do jugo do Império. Mas se
manteve no posto diplomático, de modo que, novamente encarregado pela Coroa,
veio para a América do Sul investigar denúncias de exploração dos indígenas na
Amazônia peruana. Viveu no Brasil, em Santos, Rio de Janeiro e Belém, mas essas
passagens não são exploradas no livro.
Em Iquitos, no Peru, Casement comprou nova briga de porte,
desta vez contra os exploradores da borracha na selva amazônica. Índios
escravizados, torturados e mortos, ao lado da venda de meninas e mulheres para
exploração sexual, são a rotina que ele vê e denuncia. Novo relatório
escandaliza o mundo “civilizado”, os religiosos e militantes em defesa dos
direitos dos indígenas.
Depois disso, maduro e cheio de problemas de saúde, o cônsul
britânico já condecorado e feito “Sir” torna-se militante irlandês, assume os
movimentos de defesa da língua gaélica, da cultura celta e da libertação de seu
povo. Mas comete seu maior erro: em pleno I Guerra Mundial, crê que a Alemanha,
inimiga da Inglaterra, seria aliada da Irlanda. E vai para Berlim negociar com
o comando alemão o envio de armas e munição.
Preso na volta, durante o Levante Irlandês de 1916, é
condenado por alta traição. Para piorar sua situação, outro escândalo: Casement
era homossexual, mantinha relações com jovenzinhos musculosos e as registrava
num diário secreto. Tudo isso vem à tona para desmoralizá-lo diante de uma
sociedade moralista e repressora.
A personalidade heroica, sua luta em diversos frontes e suas
controvérsias políticas e comportamentais fazem de Roger Casement um personagem riquíssimo, e de O sonho do celta mais um romance de
Vargas Llosa a ser sorvido com paixão.
(Publicado na intranet do MDS)
Clara Arreguy, quarta-feira, janeiro 25, 2012.
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Heroísmo animal
Imperdível para amantes de cavalos e de aventuras Cavalo de guerra, de Steven Spielberg, ainda em cartaz em Brasília, mesmo depois da estreia do novo filme do diretor, As aventuras de Tintim.
Tem um quê de Corcel negro, mas a marca do premiado cineasta faz toda a diferença na história do cavalo que passa por mil problemas e desafios, durante a I Guerra Mundial. O dono dele, um rapazinho que intui a melhor maneira de conquistá-lo, sabe tudo de doma racional, diálogo, carinho e métodos correlatos. Com respeito e cuidado, ensina-o a arar o solo, a trabalhar na fazendinha e a cavalgar, numa Inglaterra empobrecida no entre-guerras.
Aí começa o primeiro conflito global e o cavalo é confiscado, passa de mão em mão, sofre todo tipo de agruras, aprende a fazer muitas outras coisas, conhece também pessoas que o amam e respeitam, para no final dramático reencontrar o dono e amigo.
Há cenas antológicas, mas a especial é a bandeira branca levantada por um inglês e um alemão para salvar o cavalo preso entre as trincheiras.
O filme é lindo, não duvidem. Meio juvenil, mas lindo.
Beijocas!
Clara Arreguy, terça-feira, janeiro 24, 2012.
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Músculos x cérebro
O segundo filme da dupla Sherlock Holmes e Dr. Watson, estrelado novamente por Robert Downey Jr. e Jude Law (Jogo de sombras) é melhor que o primeiro, mas não tão bom quanto se espera do mais famoso detetive, criado por Arthur Conan Doyle. Ok, ele não era só brilhante no raciocínio, era também bom de briga e de disfarces, mas a gente quer saber como funcionava aquela mente brilhante, e tem que ficar vendo pancadaria.
A dupla de protagonistas tem charme e competência para segurar o tranco em todos os sentidos, a trama desta vez é melhor que da primeira, a história humana, das guerras do homem, está presente como pano de fundo, mas não passa de entretenimento rasteiro.
Tem muita coisa muito melhor nos cinemas...
Beijão!
Clara Arreguy, segunda-feira, janeiro 23, 2012.
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Amor sublime amor
A dica, como sempre, veio do Tiago Faria, que deu logo quatro estrelas, o que é uma raridade. Então fui lá conferir Adeus, primeiro amor, e vi que beleza de filme. Dirigido por Mia Hansen-Love, é uma produção franco-alemã sobre um casalzinho de jovens de 15 anos que descobre o amor, mas que tem os caminhos desencontrados pela vida.
Ele, Sullivan (Sebastian Uzendowsky), quer ganhar o mundo e se sente preso pelo sentimento. Ela, Camille (Lola Créton), prefere morrer a viver sem o amado. Aos poucos, ela terá que amadurecer e descobrir outras possibilidade de vida, como o trabalho e uma nova relação, mais madura. Nada sem dor, sem solidão, sem construções complicadas.
O filme é delicado, bem fotografado, interpretado, montado. A música, linda, inclui até Volver a los 17 e Gracias a la vida. Os andamentos do coração, na vida de Paris, em cidades alemãs ou norueguesas ou no campo, em meio à natureza e ao rio Loire, ditam os momentos do filme, de poucas falas e muito espaço para uma reflexão sobre o amor.
Que beleza! Beijão!
Clara Arreguy, quinta-feira, janeiro 19, 2012.
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Personagens de si mesmos
A comédia As aventuras de Agamenon, o repórter, de Victor Lopes, é ruim, mas nem tanto. Há algumas piadas interessantes, mas falta ao filme ritmo, roteiro, concentração de situações realmente cômicas. A inspiração em Forrest Gump fica anos-luz do original. A graça, de fato, está na brincadeira, que percorre todo o filme, de misturar ficção e realidade, mas puxa um riso meio amargo. Seria cômico não fosse trágico.
Então, vamos ao que interessa: que o jornalismo no Brasil acabou, ninguém duvida. O fato de um falso repórter, um personagem fictício, ter-se tornado o jornalista mais famoso do país é prova disso. Agamenon é personagem, mas também o são Pedro Bial (foto), inclusive fazendo papel de Pedro Bial jovem, na derrubada do Muro de Berlim, Ruy Castro, Nelson Motta... São todos personagens de si mesmos, há anos intepretando o tipo que o filme, fazendo piada, repete...
Pode-se dizer o mesmo de Caetano Veloso (nada a ver com seu talento como artista) e Fernando Henrique Cardoso (nada a ver com sua importância histórica). Viraram personagens de si mesmos, figurinhas repetidas eternamente a dar entrevistas sobre assuntos variados, tudo em geral.
Agamenon tem mais graça quanto mais politicamente incorreto soa, nas grosserias que quebram a monotonia do "bom-gostismo" imperante. Mas é pouco para fazer dele o hit do verão. Faltaram os demais cassetas ao lado de Hubert e Marcelo Madureira? Faltou carisma aos protagonistas? Marcelo Adnet é bom ator, mas a fórmula está batida... Ser pouco engraçado é o maior pecado que uma comédia pode cometer.
Beijus!
Clara Arreguy, terça-feira, janeiro 17, 2012.
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Espionagem à moda antiga
À moda antiga só porque, no tema, estão de volta os velhos conflitos da Guerra Fria, opondo soviéticos e ocidentais. Trata-se do ótimo O espião que sabia demais, de Tomas Alfredson, com elenco estelar encabeçado por Gary Oldman (foto, magistral), mas também com os ótimos John Hurt e Colin Firth em destaque.
A história do escritor John LeCarré tem adaptação afiada, em que a trama requer atenção e concentração do espectador. Talvez por isso tenho sido fácil ouvir críticas e muxoxos de alguns na saída do cinema. Inclusive gente saindo antes do fim, chamando de filme ruim. É o contrário: filme bom demais, mas que pede pensamento. E muita gente se desacostumou de pensar.
A direção de arte faz outro belo trabalho na reconstituição do início dos anos 1970, em cidades como Londres, Istambul e Budapeste. Ritmo, trilha sonora, intepretações, enredo centrado nos organismos de espionagem e contraespionagem de britânicos e russos, tudo concorre para um entretenimento de alto nível.
Beijocas!
Clara Arreguy, terça-feira, janeiro 17, 2012.
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Biografia de Maomé
Vem do escritor indiano Deepak Chopra a biografia do profeta Maomé, que acabo de ler (Maomé, Agir, 248 páginas). Em tom poético, narrado por diversas vozes, o livro acompanha a trajetória do líder árabe que criou uma religião, o islamismo (o autor não é muçulmano).
Familiares, discípulos, a ama de leite, figuras ligadas à religião, aos negócios e à guerra se alternam, a cada capítulo, para contar as principais passagens da vida de Maomé, desde o nascimento, o destino trágico da mãe e do pai, a criação pelo avô e pelo tio, a perda da fortuna e do poder da família, o casamento, a primeiras aparições do anjo Gabriel, com revelações e mensagens que vão delineando a doutrina muçulmana e o destino de milhões de árabes e não árabes.
Um belo livro, que ilumina uma trajetória pouco conhecida - no Ocidente - e confundida com os fundamentalismos que distorcem as palavras de fé do profeta, o último deles, com sua inspiração e suas contradições.
Kisses!
Clara Arreguy, terça-feira, janeiro 10, 2012.
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Ética na política
Muito se discute sobre ética na política, principalmente no Brasil de hoje, mas poucas obras de arte entram tão bem no assunto como Tudo pelo poder, de George Clooney, com o gatão de meia-idade e o ótimo Ryan Gosling, além de outras feras do cinema americano, como Paul Giamatti, Marisa Tomei e Philip Seymour Hoffman.
A assessoria do candidato a presidente dos Estados Unidos nas prévias do Partido Democrata resume em microcosmo toda a podridão das relações humanas e políticas quando o poder está em disputa. O jovem assessor talentoso bate de frente com o quadro experiente, mas vai descobrir fraquezas fatais do próprio candidato e fazer disso arma para sobreviver naquela selva.
O candidato idealista, que garante para a mulher não querer fazer mais concessões do que o absolutamente necessário, não só vai abrindo mão dos limites que jurara respeitar, como se mostra mais humano (e falho) do que supunha o confiante assessor.
A ética vai pro espaço porque as pessoas creem que os fins justificam os meios. Todo mundo humano, demasiado humano, e tão grande quanto pequeno...O filme comprova mais uma vez como George Clooney é um dos caras mais inteligentes, ou pelo menos mais dispostos a pensar, que há no cinema americano contemporâneo.
Beijus!
Clara Arreguy, segunda-feira, janeiro 09, 2012.
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Inteligência e sensibilidade
Todo mundo mandou eu ir ver Um conto chinês, de Sebastián Borensztein, mas eu não tinha ido ainda por falta de tempo. Fui. Que delícia de comédia! Inteligente, sensível, bem interpretada, bem dirigida, mostra as relações quase impossíveis entre um argentino misantropo e um chinês que cai de paraquedas em Buenos Aires sem falar uma palavra de espanhol.
As diferenças de todo tipo dificultam mas não impedem a comunicação entre os dois, que se dá apesar das resistências do primeiro. Somente um arroubo de humanidade lhe permite entrar na história do rapaz, talvez pela mesma curiosidade que o leva a colecionar casos bizarros como o que unirá os dois no fim das contas.
Tocante e engraçado, o filme traz ainda momentos gloriosos, como o enfrentamento entre o mal-humorado protagonista e o policial autoritário, ou os diálogos entre ele e a mocinha, permeados por olhares e intenções não ditas. Genial. Ricardo Darín é um dos maiores atores em atividade, entre todos de todos os países. Basta rever O segredo dos seus olhos.
Um conto chinês ainda está em cartaz.
Beijocas!
Clara Arreguy, segunda-feira, janeiro 09, 2012.
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