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Mergulhada em Starnone




Domenico Starnone é o nome da minha nova paixão. Já havia amado o primeiro livro dele que li, Laços. Agora que ele lançou Segredos (Todavia), aproveitei pra ler também o anterior, Assombrações, e essa imersão na obra do escritor italiano me deixou, mais uma vez, de queixo caído. A Lucília Garcez, quando leu Laços, disse que não queria mais escrever. Eu sou o contrário: quando leio um autor como esse, não só não quero parar de ler como tenho vontade de escrever mais, em busca de um estilo tão bom quanto o dele. Doce ilusão.

Algumas características de Domenico Starnone são evidentes: a concisão, o mergulho na alma de um personagem de maneira tal que tudo que ele tem de grandioso e de espúrio passa a nos pertencer, ao leitor. Nos identificamos, nos apropriamos de sua trajetória, de suas dores e conquistas, de modo que a emoção se torna inevitável, e a leitura, irrefreável. Em Assombrações, um velho ilustrador é instado pela filha a deixar seu sossego em Milão pra ir cuidar do neto em Nápoles enquanto ela faz uma viagem a trabalho. Me lembrou o Quarenta Dias, de Maria Valéria Rezende, em que a mãe troca João Pessoa por Porto Alegre pra satisfazer uma demanda egoísta da filha, com quem se sente em dívida. No caso do velho artista, cuidar do neto de quatro anos supera todas as suas forças físicas e emocionais, pois a viagem o desgasta, o trabalho lhe exige o que não dá mais conta, e o menino é o verdadeiro inferno a confrontar todas as limitações do protagonista.

Já Segredos trata de outro homem em confronto com um inferno pessoal: ao final do relacionamento de três anos com uma ex-aluna brilhante, um professor aceita o desafio dela de trocarem entre si o pior segredo de sua vida, algo inominável a ser protegido por uma relação de mútua ameaça. Confiança, desconfiança. Amor, ódio. Atração, repulsa. O protagonista se casa, tem filhos, faz sucesso com seus livros em defesa da escola e na política, mas nunca se permite a autoestima que merece, a felicidade sossegada. A consciência do erro passado, e de que alguém compartilha com ele essa consciência, o mantém em permanente sobressalto. A qualquer hora tudo poderá desmoronar.

Além de ser um escritor superlativo, de compor um texto irrepreensível, impossível de ser abandonado depois que se começa sua leitura, Starnone é também protagonista da grande fofoca do meio literário italiano e mundial: desconfia-se que ele seria o escritor por trás da misteriosa Elena Ferrante, da tetralogia napolitana (A Amiga Genial) e best-seller com mais de 12 milhões de livros vendidos. Ferrante nunca aparece, então há rumores de que ela seja na verdade a tradutora Anita Raja, companheira de Starnone. Se ele é ela, se é casado com ela ou se tudo não passa de mais uma trama de algum autor criativo, não sei. Só sei que Starnone é minha nova paixão.

Clara Arreguy, quarta-feira, julho 22, 2020. 1 comentário(s).

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Mas o que quer a mulher?

Digo te amo pra todos que me fodem bem por [Seane Melo ]

Minha recompensa pela colaboração na campanha de apoio à editora Quintal, destruída por um alagamento no início do ano, foi o livro "Digo te amo pra todos que me fodem bem", de Seane Melo. Boa surpresa, já que não conhecia a autora, jornalista e escritora maranhense, que aqui propõe um romance sobre sexo, mas não necessariamente erótico.

Conta a história de Vanessa, mulher inteligente e bacana que, no entanto, não consegue uma relação estável. Vanessa gosta de sexo, procura sexo, encanta-se com os caras interessantes que passam por ela, mas não ultrapassa a fase dos encontros casuais, sem maiores laços. E embora afirme e reafirme que o bom é uma boa transa, o que ela quer, mesmo, é amor. E disso os homens com quem se relaciona não são capazes. Isso a frustra o tempo inteiro.

O interessante pra uma mulher como eu, de 60 anos, que passou por trajetória semelhante na juventude, de se sentir temida e rechaçada pelos paqueras eventuais, é perceber que, trinta anos depois, continua tudo do mesmo tamanho. As abordagens mudaram. As mulheres vão à caça sem pudor. As redes sociais propiciam outros palcos de conquista. A liberação chegou a ponto de as pessoas enviarem as fotos mais íntimas pra gente que nem conhecem.

Mas os desejos, ah, os desejos... O que quer uma mulher? - perguntam-se todos há milênios. Alguém que a "foda bem", como proclama Vanessa? Ou alguém que supere a barreira do terceiro encontro e queira dormir de conchinha, ver TV, comer pipoca, passar o fim de semana? Alguém que a respeite ou alguém que dispense o respeito e a inclua em sua louca vida? Perguntas e respostas que se eternizam na procura de todos, afinal, por amor.

Clara Arreguy, terça-feira, julho 21, 2020. 0 comentário(s).

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Um húngaro em Canudos

Veredicto em canudos | Amazon.com.br



Como dizia meu pai, a gente é feliz quando ainda tem muita coisa boa pra ler nesta vida. A cada novo grande autor que descubro e por quem me apaixono sinto essa felicidade. Foi o caso do Sándor Márai, cujo maravilhoso As Brasas comentei aqui algumas semanas atrás. Dá vontade de ler mais e mais do escritor, por isso fui ao seu Veredicto em Canudos (Companhia das Letras), que renovou a admiração por esse húngaro.

A história do livro já dava um romance: Sándor Márai leu a tradução para o inglês de Os Sertões, de Euclides da Cunha, e, sem nunca ter vindo ao Brasil, imaginou uma personagem fictícia que inseriu na sua trama. Uma mulher europeia que vai parar em Canudos atrás do marido, médico, que por sua vez ficara sabendo de Antônio Conselheiro e seus seguidores por matérias publicadas no jornal O Estado de S. Paulo pelo grande escritor brasileiro.

Nas poucas horas que antecedem o ataque final da quarta expedição do governo republicano à vila que se tornou um extenso aglomerado humano, o ministro da Guerra, marechal Bittencourt, conversa com a imprensa e depois com três sobreviventes de Canudos que garantem: o Conselheiro não morreu e Canudos jamais morrerá. Um desses três é a tal mulher, com quem fala em inglês - e só são entendidos pelo escrivão ali presente, o narrador da história, que aprendeu o idioma com o pai irlandês.

São diálogos impressionantes, cenas de tensão e suspense, mas principalmente de uma escrita poderosa, rara. A cena do banho que a mulher toma diante dos oficiais, prêmio exigido em troca das informações que lhe são solicitadas, é de beleza, profundidade, daqueles momentos fulgor com que a literatura de alto nível brinda o leitor. Vale o livro todo, que todo ele vale.

E agora é ler mais Sándor Márai, tarefa hercúlea, porque ele produziu muito, mais de 40 livros, pra gáudio dos pobres mortais que o adoramos.

Clara Arreguy, quarta-feira, julho 08, 2020. 0 comentário(s).

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