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Adão, Eva e muito mais


Já há uns dois anos que um grupo, coordenado pelo professor Nathan Kacowicz, vem estudando os mitos de Adão e Eva a partir da Bíblia, mas também com enfoque em releituras literárias e de outras expressões artísticas ao longo dos tempos. Esse tema integra uma proposta de estudos coletivos que vão da Cabala a religiões comparadas, num misto de filosofia, história e literatura.

Sobre Adão e Eva, passeamos por John Milton, Mark Twain, Machado de Assis, imagens do classicismo e da Renascença, num mergulho que procura entender, a partir do mito, suas mil possíveis interpretações literais, míticas propriamente, simbólicas, etc. O que é e qual o papel do homem? E da mulher? E da relação homem-mulher? É pano pra manga.

O livro Eva-Proto-Poeta, de Adriane Garcia (Caos&Letras), vem contribuir de forma incrivelmente atual para esse debate. Além de boa poesia, como se caracteriza toda a obra da poeta mineira, os versos contidos nessa espécie de "diário da queda" alimentam a leitura de que nasce no Gênesis e nas suas interpretações a misoginia original, a que confere à mulher a culpa na queda da humanidade, a que a estigmatiza por seus dons e poderes.

Adriane Garcia o faz com poesia e graça, em todos os sentidos. Não se atém a Adão e Eva, claro, mas introduz entre os protagonistas dessa história Lilith, a que não se submeteu (veja em "Kama Sutra": Adão / Essa propaganda enganosa / Não variava), Samael, o anjo decaído, novas possibilidades para o tédio do paraíso e a busca de alegria e felicidade. Brinca com o deus que inventa as perguntas retóricas, com aspectos que podem e merecem uma releitura atual, feminista, radical.

Delícia de manifesto, de contribuição para as eternas perguntas que envolvem os gêneros e o humano em toda a sua amplitude. Delícia ler os versos de Adriane Garcia e imaginar o que estamos fazendo conosco, homens, mulheres, todas as pessoas, em busca de um lugar e um papel sempre a construir.


Clara Arreguy, segunda-feira, novembro 30, 2020. 1 comentário(s).

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Divanize, nossa diva


A querida amiga Divanize Carbonieri comentou no Facebook que agora que seu livro é finalista no Jabuti muita gente correu a lê-lo. Mea culpa, mea máxima culpa. A coincidência é que o autógrafo que recebi no meu exemplar tem exatamente um ano, quando nos encontramos no Mulherio das Letras de 2019, em Natal. O livro estava na minha cabeceira, naquela ordem insondável em que se empilham is que compro e ganho, sem muito critério. A pauta que tira um ou outro e o traz pra minha leitura varia. Confesso que a indicação do romance Cárcere Privado, de Margarida Patriota, ao prêmio Oceanos, e de Passagem Estreita, de Divaniza Carbonieri, ao Jabuti, lhes deu preferência pra furar a fila.

Conheço Divanize do Mulherio - fizemos juntas uma oficina em 2018 e de lá pra cá nos acompanhamos nas redes e nos encontros presenciais. Ela é incansável: poeta, contista, professora, orientadora, editora de revista, agitadora cultural, animadora da gente, das suas parceiras e irmãs na luta das mulheres por espaço e respeito na cena literária. Ela é muito mais ativa que a maioria em tudo que faz, o que por si só já a faz merecer o respeito de todas nós. Mas o melhor de tudo é que Divanize é uma grande escritora. A presença de seu livro entre os finalistas da mais conhecida premiação brasileira só corrobora isso.

Passagem Estreita reúne 19 contos protagonizados basicamente por mulheres - a exceção se dá quando o protagonista é uma cidade, Cuiabá, lugar que essa paulista elegeu para viver e lutar. Mas ela não escreve sobre mulheres quaisquer. São figuras em geral sofridas, que se acham feias, menores, quase merecedoras das violências às quais são submetidas. Ainda que possam crescer, aprender, estudar, candidatar-se a presidenta da república, como no conto "Fia". 

Além de falar sobre o ser mulher, sobre opressão, uma das coisas que Divanize faz melhor é brincar com a linguagem. Ela se permite explorar várias vozes, vários estilos, desde a alternância de discursos num mesmo conto até a invenção de palavras e de construções, ao sabor da subjetividade do narrador. Ou da narradora. Com brincadeiras em torno da palavra, da pontuação, dos discursos contemporâneos, das formas de violência contidas em atos e em palavras, a escritora percorre ampla gama de situações atuais, capazes de tocar o leitor na sensibilidade e na racionalidade. Às vezes comove, às vezes indigna. Mas sempre mexe com a gente. Parabéns, Diva, pela bela obra!



Clara Arreguy, quarta-feira, novembro 04, 2020. 0 comentário(s).

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A deliciosa trama de Guillaume Musso

 

E nessa temporada de conhecer novos autores, ou melhor, autores que nunca tinha lido, cheguei ao francês Guillaume Musso, de A Vida Secreta dos Escritores (L&PM), romance que navega naquela onda de metalinguagem que tenho comentado aqui por causa de outras leituras, como as de Jacques Fux e José Luís Peixoto. A trama desse delicioso romance explora a mistura de ficção com realidade, mas na verdade tudo é literatura.

Conta a história de um escritor, Nathan Fawles, que, após três livros de sucesso estrondoso, se recolhe numa pequena ilha onde se isola do mundo e jura nunca mais escrever uma linha sequer, nem dar entrevistas, nem falar sobre a curta carreira de escritor de best-sellers. Um mistério ronda a vida pessoal da intrigante figura, que cita o norte-americano J.D. Salinger, de O Apanhador no Campo de Centeio e nos lembra também o brasileiro Raduan Nassar, outro a se recolher após lançar "apenas" três obras-primas. O romance, aliás, é repleto de citações, não apenas do que o leitor medianamente bem informado identifica, mas de uma porção de livros e filmes mais ou menos conhecidos.

Em A Vida Secreta dos Escritores, acompanhamos um jovem candidato a romancista que consegue um emprego sazonal na livraria dessa pequena ilha onde se esconde Nathan Fawles. É a oportunidade que ele encontra para tentar se aproximar de seu ídolo. Mas outra pessoa também tem as mesmas intenções: uma jornalista ligada a uma história do passado de Fawles. Um crime na pacata ilha leva a polícia a fechar o local, em citação daqueles romances de Agatha Christie em que suspeitos e vítimas se veem confinados no mesmo espaço, e a trama se enovela cada vez mais.

Narrativa ágil, personagens intrigantes, suspense, mistério - e aulas de letras - colaboram pra fazer do romance uma leitura que não se larga antes do fim. Não antes de o autor, Musso, explicar tintim por tintim o que é real e o que é invenção nesse imbroglio todo.

 


Clara Arreguy, terça-feira, novembro 03, 2020. 0 comentário(s).

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