Nobel turco
São
quase 500 páginas, mas cada uma vale a pena. O turco Ohran Pamuk é o autor de
“Neve”, romance polpudo, que propõe (e consegue) entrecruzar histórias de amor,
discussões sobre literatura e a política da Turquia, sem em momento algum
deixar o leitor perder o interesse pelo que ele tem a dizer.
Estive
na Turquia em 1996 e fiquei muito bem impressionada. Embora fosse um país de
população em grande parte muçulmana, tratava-se de uma república secular,
laica, onde as mulheres andavam cobertas ou à moda ocidental, conforme
escolhessem, e os homens, embora se tentassem comprar brasileiras a troco de
camelos, o faziam com simpatia e senso de humor.
Em
“Neve”, Ohran Pamuk mostra que as coisas não eram assim tão simples. O país,
naqueles anos 1990, efervescia nas disputas entre religiosos e kemalistas,
seguidores de Atatürk, o Pai dos Turcos, fundador da república no início do
século XX. Os radicais tentavam impor a república islâmica à moda iraniana. Os
demais eram considerados traidores pró-Ocidente.
O
romance começa com a chegada do poeta Ka a uma cidade de fronteira, onde estão
ocorrendo suicídios de meninas, proibidas de usar na escola o manto que cobre a
cabeça. Intrigado com o país que trocou, como exilado político, pela Alemanha,
Ka reencontra na cidade uma antiga colega, por quem se apaixona. Reencontra a
poesia perdida e volta a escrever profusamente. Ali também, durante forte
tempestade de neve que imprime o clima de todo o livro, Ka se envolve num golpe
de estado protagonizado por um ator e alguns militares.
A
história é contada após a morte de Ka, por um amigo dele, Ohran Pamuk; ou seja,
o próprio autor dá nome e voz ao narrador, que acaba se apaixonando pela mesma
mulher que Ka e se envolvendo com os mesmos personagens que o amigo poeta
quatro anos antes. A ficção entra no liquidificador da realidade, numa técnica
que enriquece a narrativa e dá força ao pano de fundo político.
Ohran
Pamuk ganhou o Nobel de literatura em 2006 e, a julgar por “Neve”, com muita
propriedade.
Coluna publicada na intranet da Ascom/MDS em 18/5/12
Clara Arreguy, sexta-feira, maio 18, 2012.
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