Uma das coisas que melhor me lembro quando assisti à
primeira versão da novela “Gabriela”, nos anos 1970, era a menção constante ao
romance “O Crime do Padre Amaro”, de Eça de Queirós, que a personagem Malvina,
toda avançada para a época, lia, contrariando os pais conservadores. Todos
comentavam como escandaloso o fato de uma mocinha de família ler a obra
pecaminosa.
Passados tantos anos, nova versão da novela entrou no ar, e
eu me peguei na constatação de que nunca lera o romance proibido. Comprara-o
numa edição baratíssima na Bienal do Livro e da Leitura de Brasília, poucos
meses atrás. Barata demais, em papel vagabundo e letras miudíssimas, está dando
trabalho aos velhos óculos de míope, mas o prazer da leitura compensa tudo.
Já era fã de Eça desde que me deslumbrei com “Os Maias”, e
vejo que “O Crime do Padre Amaro” é outra obra-prima. Não apenas pela
construção detalhada do romance entre o padreco jovem e a moça pura, mas, muito
mais, pela demolição moral que o escritor português promove de uma
religiosidade hipócrita, de uma instituição elitista e voltada ao
enriquecimento material de seus líderes.
Admito que há passagens em que as diferenças linguísticas
dificultam a compreensão da leitura. Eça escreveu o livro em meados do século
XIX, já vamos adiantados no XXI, mas o sumo de seu romance é a crítica
implacável, e ela se faz com inteligência e ironia, num rico quadro humano, político
e ideológico. E que belas descrições, que narrativa, que construção ao mesmo
tempo sofisticada e simples!
Tinham razão os próceres da Igreja ao proibir sua leitura às
jovenzinhas do início do século XX. “O Crime do Padre Amaro” desnuda e
desconstrói baluartes moralistas melhor que qualquer peça de propaganda
ideológica. E se trata da melhor literatura que a língua portuguesa produziu.
Publicado na intranet do MDS em 16/7/12